Olá, Bem Vindo ao Cenas, Cenários & Senões

Publico aqui textos de observação do cotidiano na forma de crônicas e contos.

domingo, 25 de julho de 2010

Paquera on line

A internet introduziu uma nova forma de se relacionar e de paquerar também. É um grande salão de baile onde se pode escolher a música, o ritmo , o par .

Proliferam as dicas de segurança e cuidados para contato no mundo virtual, mas o que vale mesmo como dica é ficar esperto, e captar a mensagem subliminar escondida nas fotos retocadas com photoshop e nos textos de apresentação do par perfeito.

Por princípio pense que tudo é falso ,ou melhor, tudo pode ser falso , o nome ,a idade , o sexo, mas eliminadas as bizarrices, e se concentrando que a outra figura está lá se expondo como você e, em teoria pelo mesmo motivo, foque naquilo que você quer e siga em frente .

Desconfie de fotos muito bonitas, corpos muito sarados em paisagens paradisíacas, tendem a ser de outra pessoa. Fuja de homens que mandam fotos de sunga ou sem camisa ele vai querer o equivalente seu.

O nickname já é uma grande pista coisas do tipo $EXO, super bem dotado, ricolindo, comedor, podem ser eliminados imediatamente, nicks com a localidade também são uma boa informação, Irajá Man , Terror da Zona Sul , Méier on Line . Nada contra as localidades, mas pode ser inacessível ir do Recreio para São Gonçalo.

Em seguida vem a frase de apresentação, coisas como “ de bem com a vida” é sinal de depressão no limiar da tarja preta , “amante da natureza” significa sem carro , no máximo vai rolar uma caminhada e meia água de coco. Já as frases em inglês , francês denotam um aura de exclusividade e melhor nível cultural . Erros de português do estilo “diverção”, “conheser”, nem pensar! “ Estou sozinho há seis meses” denota desespero total , se for o seu caso também , aproveite !

O texto traz outras pistas , “ procura mulher liberada para aventura” é casado ou comprometido e está dando uma voltinha para diversificar . Frases de chamada que mencionam a mãe , esqueça !

Na descrição do corpo “um pouco acima do peso” quer dizer obeso , “proporcional”, leia-se baixinho , gordinho e o resto também pequenininho. No ramo de atuação , consultoria quer dizer atualmente desempregado , marketing , sou vendedor, e artes ou toca numa banda ou é camelô de artesanato . Se diz que gosta muito de ver TV é sinal que não sai de casa no domingo e vê do Faustão ao Fantástico além de todos os jogos e reprises da rodada .

Outras dicas mais óbvias como moro com minha família ou com amigos aos 50 é complicado , animais de estimação do tipo “outros” pode ser uma calopsita ou um iguana . Preferência por fast food é sinal de durice e fora de forma , trabalho na área de saúde pode ser distribuidor de drogas .

Parece complicado , mas não é nada diferente da vida real, vale lembrar que comparado a conhecer alguém na mesa de um bar , para teclar é preciso estar minimamente sóbrio e aí qualquer invencionice vira criatividade .

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Perfume

Era uma destas, festa-baile, hora dançante, hi-fi ou bailinho de garagem, como queira, coisa que marcava a travessia para os anos oitenta; quando a adolescência ainda começava aos quinze e o primeiro tudo acontecia depois disto.

A música era Bee Gees, os passos de Travolta, os embalos de sábado à noite. Acredite se quiser! Os embalos, atual balada, eram somente no sábado e só à noite!

Pouca bebida, nenhuma droga. Era festa de família, com a família lá. Presente.Tios e avós no andar superior, enquanto no salão térreo, a equipe contratada de som comandava a trilha sonora, os efeitos e luzes na pista, enfeitada com bolas giratórias revestidas de cacos de espelhos. Lâmpadas estroboscópicas nos faziam parecer mais adultos, rapazes mais altos, meninas mais loiras.

A coreografia ensaiada era dançada por todos misturando grupos e casais na pista lotada. As músicas da moda se repetiam à exaustão.

As roupas e o visual eram copiados do filme de sucesso e da última novela das oito, tinham muito estampado, muita maquiagem. Jeans –só importado!Eu, de roupa nova, cabelo comprido cortado e penteado na moda da pantera loira, aquela do seriado original.

Lá pelas tantas, depois do reconhecimento geral dos presentes e sempre antes dos parabéns, era a vez de tocar as lentas. Os casais de namorados iam rapidamente para pista, entre todos os outros, aonde eu me incluía, uma timidez geral, e a expectativa de dançar uma música com o paquera alvo do momento.

Ele se aproximou de mim pelas costas, pegou meu cotovelo e baixinho falou Vamos dançar? Era mais velho que os colegas conhecidos desde a infância, um primo da casa, viria a saber.Tinha barba escura, bem feita e aparada, que depois descobri seria uma das minhas preferências nos rapazes.

Na pista, a barba acariciava o, rosto colado, ele brincava enrolando na ponta do dedo o cacho mais comprido do meu cabelo que caia no meio das costas bem onde estava sua mão. Naquela noite, dançamos todas as lentas.

O perfume dele ficou na minha roupa, no meu cabelo, na minha pele, na memória. Aquele foi o primeiro perfume que levei para casa com saudade. Passei dias sentindo o aroma em todos os lugares. Fui a várias lojas sem sossegar até descobrir o nome do tal, que era caro, caríssimo, importado.Ainda hoje, basta uma rádio flash back para que o perfume seja sentido.

Outro dia, na sala de espera de um consultório médico, senta-se a minha frente um homem, o perfume no ar tira minha atenção da revista folheada, nossos olhos rapidamente se encontram. Ele tinha a barba grisalha.

sábado, 3 de julho de 2010

Habeas Corpus

Todo mundo que já fez terapia um dia e parou leva consigo o questionamento. Será que volto? Entre todas as angústias fica mais esta instalada após a primeira experiência terapêutica. É um artifício de sobrevivência da profissão. Você interrompe, porque alta nunca se tem e um dia vem a questão: volto ou não? Com o mesmo terapeuta? Que preguiça de começar tudo do começo. Onde eu estava mesmo quando interrompi?Ah, lembrei: a terapeuta sugeriu que eu comprasse um cachorro e me estressou.
Terapia para angústia cotidiana é assim, você entende o que aconteceu no passado, verifica seus comportamentos repetitivos, muda algumas coisas, conclui que não quer ou não pode mudar outras e que outras ainda não dependem de você. Depois disso vem a parte da reclamação e, para reclamar, pode ser com o vizinho, o amigo e até com o cachorro. À exceção deste último, tudo muito mais barato que terapia. Até que se começa a reclamar de coisas que não se entende, ninguém quer ouvir, fogem até de um chopinho, você mesmo esta se tornando repetitivo e aí quem sabe está na hora de voltar para a terapia...
Este ano, em meio a um desses momentos, tomei a sábia decisão e contratei um advogado. O motivo original era, de fato, uma questão jurídica, porém, com a evolução dos fatos, tem se mostrado mais eficaz que terapia. O advogado não evidencia suas deficiências, ao contrário, está sempre pronto para defender você e, até que surjam provas, você está certo. Já o terapeuta, este, por principio, defende que você está à beira da loucura, não com estes termos, mas são tantos problemas desentranhados, coisas que você nem sabia, tudo causando desequilíbrio. Para a sua salvação se estabelece com ele, o terapeuta, um vínculo de dependência.
O advogado já se comporta de outra forma, quanto mais independente você for mais decisões erradas vai tomar e daí é que, pronto para acolher você dizendo como tudo é injusto e que a justiça será feita, por ele.
Por enquanto estou contente com minha opção. O custo é equivalente, os encontros são reuniões e não consulta, tem café, chá e balinha. Só se falam de possibilidades, garantias e riscos, nenhum dilema existencial, nada de angústias, crises e medos.
Adoro quando dizem coisas como medida cautelar e ação declaratória, tudo assim no infinitivo, nada de pretérito. É o que preciso neste momento, garantia dos meus pontos fortes E o advogado conseguiu o habeas corpus da terapia.