Olá, Bem Vindo ao Cenas, Cenários & Senões

Publico aqui textos de observação do cotidiano na forma de crônicas e contos.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Noite da Saudade - Selecionado pelo Estado de São Paulo para publicação em 19/07/2008

“Não quero esse negócio de você longe de mim”, a frase escrita em uma faixa de morim barato tremulava na frente do número 555 da Rua das Rosas, em uma ladeira fétida do encardido subúrbio da zona portuária.
A faixa surgida na madrugada, certamente era para um dos vinte habitantes da casa de cômodos 555, como era conhecido o maior cortiço da rua. Por lá, quem mandava era Maria do Carmo ou “Du’Carmo”; tinha uns sessenta anos, mancava um pouco pelo peso excessivo, pintava cabelos e unhas de vermelho e sempre estava aos berros. Foi assim, com um berro e um palavrão, que recebeu a faixa às seis da manhã, hora em que abria as portas do 555 e varia para a ladeira as lamúrias da noite.
Pouco a pouco das entranhas do 555, as janelas se arregaçavam e os moradores escorregavam para o começo do dia, a todos Du’Carmo berrou “Você viu?”. Formou-se uma rodinha e muito antes do meio dia já havia três candidatos a óbvios destinatários da mensagem.
Zélu, o vesgo, dizia que era coisa de uma prima, ansiosa para que ele voltasse à Minas e a salvasse da solterice. Era a versão divulgada da história, mas ele sabia ser uma mensagem cifrada do agiota que não parava de persegui-lo, a quem a cada minuto ele devia mais dinheiro. O prazo estava acabando; o sujeito ameaçava aprisioná-lo para trabalho escravo, agora sabe onde ele mora, tinha que dar o fora.
Outra receptora assumida da faixa foi Sueli, a mais nova moradora do 555, tem uns quarenta e poucos anos, bonitona, se equilibra em saltos desafiando a ladeira. Chegou quieta, pagou por quinze dias, não contou muito da vida, disse ter chegado a pouco na cidade. Segundo ela mesma, é recepcionista em uma firma do centro. Contou para todos que ao chegar aqui reencontrou um antigo namorado e “-Tudo fora mágico!”. Porém, ele se despediu, dizendo que ficaria fora por um mês e na volta a procuraria. Ela tinha certeza, a faixa era uma surpresa dele, uma declaração. E, dizendo isto, saiu pela ladeira toda empertigada com o salto mais alto ainda.
Serginho, como era conhecido no 555, subia e descia as escadas dizendo a todos “–Claro! A faixa era para ele!”. Morava no cortiço há dois anos, bom pagador, Du’Carmo tratava-o a pão-de-ló. É um tipo peculiar, magro, alto, com o rosto marcado pela acne andava pela casa com roupão de seda e pantufas, aconselhando todos. Não trabalha, corria à boca pequena, o boato que era o filho bastardo do bicheiro do bairro que o mantinha com uma mesada, depois que a mãe sumira neste mundo. Homossexual assumido passava o dia, como ele dizia: Ao serviço das mazelas da humanidade. A noite se deleitava nas boates do porto, sofrendo por algum marinheiro desaparecido, jurava que a faixa era fruto do mais recente beijo de despedida que dera.
Passado o burburinho, Du’Carmo desceu a ladeira em direção ao mercado de peixe e de lá trouxe a notícia, muitas faixas iguais estavam pela parte baixa onde ficavam as boates; uma destas casas fazia uma promoção para divulgar o evento que aconteceria ali a “A Noite da Saudade”.

3 comentários:

Gabi disse...

Mô, parabéns pelo trabalho. Ficou maravilhoso, você mereceu ficar entre os dez melhores...Muita sorte nos próximos trabalhos, bjs, Gabi.

Gabi disse...

Mô, parabéns pelo trabalho, ficou maravilhoso. Você mereceu ficar entre os dez melhores. Desejo muita sorte, bjs, Gabi.

BLOG DO FELICIO disse...

Monica, boa tarde! Li o seu conto no encarte do Estadão e gostei muito. Vi também que você tem esse blog e vou passar a acompanhar. Tenho um blog também onde publico alguns contos,comentários sobre música, literatura etc, além de algumas reflexões. O endereço é sergiopeople.blogspot.com. Parabéns pelo conto!